Consumo: sim

Moiras
2 min readFeb 23, 2021

Fabrina Martinez

Na semana passada, a sugestão de tema foi consumo e, ironicamente, esqueci de escrever. Ou esquecemos. Sou consumista e luto contra isso todos os dias. Consumo e sou consumida. Em todas as possibilidades da palavra e, talvez seja essa a razão que me fez esquecer do texto. Estava consumida. Pelo cansaço, pelos boletos, pelos barulhos, pelas coisas. Essa semana estou lidando com dores físicas enormes e me ajudei indo ao médico e comprando uma ficus lyrata que estava na promoção por precisar de cuidados imediatos. Eu também precisava (preciso) mas não encontro compradores.

Houve uma época em que eu era infinitamente infeliz. Raramente conversava com pessoas e tinha recém saído do puerpério. Tinha? Foi quando comecei a comprar. Todo centavo que me sobrava era destinado às compras. Comecei com livros. Lembro quando chegou meu pacote com meu exemplar de segunda mão do Bartleby e Companhia, sorri. E deixei sobre a minha estante. O correio foi, e ainda é, o ponto alto do dia. Mas, naquele dia, o ponto alto foi ver que alguém respondia meu e-mail. Um adulto estava falando comigo.

A maternidade te dá muitas coisas mas também te joga em alguns limbos. O bebê cresce saudável enquanto sua vida vai se tornando menor e menor e menor até mal caber naquelas fraldas RN, gigantes demais para a vida social de qualquer mãe no puerpério. Mas quando você compra, as pessoas sorriem e conversam e falam e se interessam sobre você e suas escolhas.

Foi assim, desse jeito, que me endividei mas mantive minha vida exatamente como eu imaginava que ela deveria ser. Até que fui engolida por isso tudo e nem mesmo esses e-mails ou o aviso de que o pacote saiu para entrega me ajudavam a sorrir. Tem essa imagem que eu gosto bastante. Essa aqui ó:

No meu caso foi vida ruim — comprinha online — vida pior pq dívidas. Até que fui consumida por isso tudo. Consumir é uma coisa legal a curto prazo e é preciso dizer que venho de uma vida muito limitada financeiramente então comprar sempre esteve ligado a outra coisa que não a posse propriamente dita. Não era apenas consumo reprimido, mas afeto reprimido. Antes de me julgar, pense se você realmente sabe a diferença. Foi quando comecei um processo de autocuidado que passa pelo olhar realista e verdadeiro em mim. As coisas estão melhores e as finanças estão quase sob controle. Mas tem essa coisa de querer falar e conversar e viver e e existir. Procuro caminhos que não passem pelos boletos e que não cheguem pelos correios. Caso saiba, me escreva.

Fabrina Martinez é jornalista, escritora, poeta e cansada.

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